Próprias Palavras

A liberdade está em se ser dono da própria vida. (Platão)

8.4.07

Bate-Papo: Paulo Gustavo

Quem é o cara por trás da dona de casa que é a sensação da temporada teatral carioca



- Me vê por favor um café! Não, não, me dá um suco e um sanduíche natural. Não, faz o seguinte, me dá o café, um sanduíche e uma água. Olá querido, tudo bom? Vai assistir a peça hoje, né? E aí menina, tudo bom? Você tá namorando? Essa menina da bilheteria é a mais bonita de todas.

Paulo Gustavo é assim, agitado. Fala de tudo e com todos ao mesmo tempo. A rapidez com que se comunica não atrapalha a pontuação perfeita das frases. Tudo acompanhado de muitos gestos. Segundo o próprio, talvez esta energia seja a única semelhança que o aproxima com a personagem Dona Hermínia que interpreta no espetáculo “Minha Mãe é uma Peça”.

Há quase um ano em cartaz, a peça é um sucesso absoluto tanto de público quanto de crítica. Assim como aconteceu com outros espetáculos do gênero besteirol, “Minha Mãe...” começou no pequeno teatro Cândido Mendes e depois do boca-a-boca favorável alçou vôos maiores e agora está na suntuosa Sala Fernanda Montenegro, no Teatro Leblon – endereço na Zona Sul do Rio cobiçado pelos grandes espetáculos. Apesar de Paulo afirmar ser uma pessoa inquieta e que não consegue ficar muito tempo fazendo a mesma coisa, a peça certamente terá vida longa. Do Leblon ela segue para o Teatro Miguel Falabella, em seguida Niterói e depois rodará o Brasil.

Nosso bate-papo aconteceu num café ao lado do teatro. Pontual, Paulo chegou às 19h. conforme o combinado. Carregando uma mochila nas costas, sentou-se só depois de cumprimentar um monte de gente no hall. A conversa foi relativamente rápida, pois antes de entrar em cena a personagem exige maquiagem e preparação vocal específica. Não é à toa que sua interpretação lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Shell desse ano. Mesmo com sessões esgotadas, filas na porta do teatro e engarrafamento de vans trazendo senhoras de todo o Rio de Janeiro a peça continua sem patrocínio. É a dura realidade do teatro brasileiro.

Quem é a Dona Hermínia? Ela é uma mãe moradora de Ipanema ou do subúrbio carioca?
Eu não sei onde a D. Hermínia mora. (risos). Mas não é em Ipanema. Ipanema é um bairro mais nobre, né? Essa mãe é um pouco. Um pouco não, ela é bem suburbana. Quer dizer, ela não é suburbana. É até engraçado, porque nunca falei muito sobre isso. É chato falar que só porque a pessoa é histérica, doida e maluca jogam logo pro suburbano. Existem “donas Hermínias” em Ipanema e no Leblon. Ela é bem escrachada, ela é estridente, doida. Mas ela é como toda mãe é nos momentos de loucura. Mesmo uma mãe muito centrada é só o filho ficar um dia sem ligar que ela já fica “volta agora, volta agora”. Ela é doida nesse sentido. Mas não acho que seja suburbana, embora ache que ela vai fazer muito sucesso no teatro Miguel Falabella, na Zona Norte.

A peça te exige uma mudança completa no timbre da voz, com uma rouquidão que deve ser difícil de manter. Como você faz?
Minha voz é da Rose Gonçalves. É ela quem cuida. Tem que beber muita água e evitar falar muito no telefone. Todo mundo fica bobo quando a peça acaba e me vê falando normalmente. Tem dia que acabo o espetáculo e estou meio que gritando. Quando acabo e vou agradecer ao público, falo com outra voz e as pessoas ficam pensando “mas ele tava rouco agora há pouco!”.

O que você tem de Dona Hermínia na sua personalidade?
Eu não tenho nada a ver com a Dona Hermínia. Só a hiper-atividade dela. A energia. Já a minha mãe é totalmente Dona Hermínia.

Sua mãe é muito participativa da sua vida? O que ela achou de se ver no palco?
Ela é. Ela me perturba (risos). Minha mãe adora a peça. Ela sempre dá um jeito das pessoas saberem que é ela. Ela diz assim “Meu filho, é meu filho... ”. Alguma coisa ela tem que fazer pra chamar a atenção.

“Minha Mãe é uma Peça” foi escrito por você para ser um esquete. Quando virou um monólogo com mais de uma hora?
Antes de me formar na CAL fiz uma participação na peça Surto, onde entrava com essa personagem da mãe. Entrei para fazer um final de semana e fiquei cinco meses. Depois me formei e montei uma peça chamada Infraturas, escrito pelo Fábio Porchat e dirigido pela Malu Valle. Ficamos em cartaz 8 meses. Quando acabou fiquei sem ter o que fazer e as pessoas começaram a dizer para eu aumentar o texto da mãe. Comecei a observar o dia-a-dia das donas de casa e da minha mãe, que me inspirou bastante. Daí escrevi “Minha Mãe é uma Peça”.

A estrutura familiar da peça também foi inspirada na sua vida?
Não é idêntica porque lá em casa sou eu e minha irmã. E minha mãe adora a minha madrasta, que, aliás, não é novinha como a da peça.

Com todo o sucesso do espetáculo, com a indicação para o Prêmio Shell, o que espera daqui pra frente?
As pessoas me perguntam “e agora, qual é a próxima peça?”. Daí eu digo: “calma, acabei de estrear, a peça ainda tá fazendo sucesso”. Não sei se agüentaria ficar quatro anos com ela. Primeiro porque é monólogo e segundo porque sou um cara hiper ativo. Já estou vendo um espetáculo de Molière, mas vou esperar um pouquinho, porque fazer sucesso no teatro é tão difícil, então estou agradecendo a Deus todos os dias e fazendo a peça com o maior prazer. Quero viajar com ela. Já recebi vários convites de ir para Portugal, Brasília, São Paulo. Vou para todos esses lugares, curtir bastante e depois volto com outra peça.

Você ficou com medo de cair na caricatura e fazer da Dona Hermínia uma Drag Queen do tipo Rose Bombom ou Suzi Brazil? A
doro Rose Bombom (risos). Cair na caricatura sempre cai, porque é um homem fazendo mulher, então já é uma caricatura. Não tem como fugir. Mas eu procurei junto com o João Fonseca (diretor do espetáculo) fazer com que a coisa ficasse o menor possível para ficar bem natural. Fizemos isso justamente pra não virar uma drag queen no palco. O João foi quem me dirigiu e sou muito grato por isso, porque ele é um puta diretor, um cara supersensível. Fiquei apaixonado pelo trabalho dele e meu próximo trabalho é ele que vai dirigir de novo.
Todo mundo me fala que começa a ver a peça e depois de 15 minutos esquecem que sou eu e vê uma mãe, uma mulher. Acho que é porque faço de uma forma bem sutil e leve. Tento ao máximo deixar essa mulher entrar em mim.

Você começou a fazer teatro já depois de adulto, com 24, 25 anos. Como foi esse processo?
Comecei um pouco tarde. Tinha feito teatro em 1996 em Niterói, onde moro, num curso de extensão dentro da UFF com a Alice carvalho. Fiz um ano e pouco. Lá era mais teórico do que prático. Depois me desliguei um pouco. Fiz turismo na Facha, fui morar em NY, onde trabalhei como garçom daí voltei e resolvi entrar na CAL. A CAL mudou minha vida. Não pensei em outra coisa.

Mas de onde veio a idéia de fazer turismo?
Eu sou um cara que gosto de viajar. Na faculdade de turismo tem um curso ótimo de ambientação florestal. Me interesso muito em entrar no Jardim Botânico, por exemplo, e conhecer as árvores. Eu sou meio esquisito. Ao mesmo tempo que amo teatro, adoro o Egito, estudar umas coisas tipo Faraó, sei lá. Me interesso por essas coisas. Adoro ver esses programas na TV. Discovery é meu canal preferido. Mas a minha profissão, que amo mesmo, é o teatro. Pretendo viver disso.

E essa história de que as pessoas acham a foto da personagem no cartaz parecida com a Marieta Severo?
Isso é engraçado. Tem gente que acha que é a Marieta Severo que faz a peça por causa da foto no cartaz. A gente tem o queixo igual e aquela coisa dos bobes no cabelo fica a cara da Nenê da Grande Família. Outro dia a Marieta estava aqui no teatro e eu falei pra ela que estava fazendo sucesso por causa dela. Daí fui mostrar o cartaz e rimos muito.

Você não veio de uma família de atores. Pra você foi difícil entrar nesse metiêr?
Minha família não tem atores. Tem artistas. Minha mãe é cantora, meu tio é pintor, minha tia é escultura. Teatro é complicado como toda profissão. Mas no teatro e no cinema existe aquela coisa que falam de teste. Isso é a maior mentira. Não existe teste. As pessoas fazem uma peça e convidam quem elas querem. Ou então você me conhece, eu te indico, você faz um teste e o cara gosta. Eu acabei conquistando isso sozinho, só mesmo com o sucesso da peça.

Você já teve algumas participações na televisão. Este é um veículo que te atrai?
Acabei de fechar contrato para fazer o “Sítio do Pica Pau Amarelo” e no passado já gravei vários programas e pilotos. É um veículo diferente. Me atrai, mas é totalmente diferente do teatro. Quando cheguei fiquei com um pouco de dificuldade. Depois fui relaxando. A primeira coisa que fiz na TV foi o “Zorra Total”, que gravei com o Shermann (Maurício, diretor). Ele já tinha visto a minha peça então já me conhecia e eu cheguei lá mais tranqüilo. Depois gravei com o Alvarenga (José Alvarenga Júnior, diretor) que também assistiu a minha peça, gostou e me chamou para fazer “A Diarista” e “Minha Nada Mole Vida”. Eu gosto de televisão.
Cinema eu tive o meu primeiro contato agora no filme do Jorge Fernando que chama “A Guerra dos Rocha”. Mas o meu papel se você espirrar não vê. É curto, mas foi ótimo pra conhecer.

O que rende uma boa história, que faça as pessoas rirem?
Eu tenho uma coisa que estou escrevendo, mas não posso falar agora. É uma idéia tão boa que tenho medo de falar. Sempre fico pensando muito na platéia. O que vou fazer no palco e que vai fazer as pessoas ficarem entretidas durante uma hora? No caso, dei sorte com a mãe, porque ela é comédia, que é mais bem vinda que qualquer outro estilo de teatro. Mas na peça também falo da solidão, porque a mãe está sempre sozinha.

Você é um cara jovem e que costuma sair muito. É na rua que recolhe boas histórias?
É. Sou uma pessoa que não consigo dormir. Sou muito agitado. O pior é que agora estou vindo morar no Leblon e já estou até com medo, porque eu não vou agüentar ficar em casa. Livraria aberta até 5 manhã? A-D-O-R-O!!!